“Nazistas no Brasil” é, ainda hoje, um tema polêmico, visto persistir um certo silêncio sobre a atuação deste grupo no país nas décadas de 1930 e 1940, além de ser desconhecido o número real de nazistas refugiados no Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Governado por Getúlio Vargas entre 1930 e 1945, o Brasil se tornou uma espécie de “seara” livre para a circulação de nazistas, fascistas e integralistas identificados com as ideias propagadas por Adolf Hitler e Benito Mussolini. Entre 1930 e 1942, dezenas de grupos fascistas e nazistas emergiram em vários pontos do país favorecidos pelo autoritarismo sustentado pelo Estado, assim como por segmentos conservadores da Igreja Católica e da imprensa brasileiras. Entre os adeptos contabilizamos uma parcela significativa das comunidades de imigrantes italianos, ítalo-brasileiros, alemães e teuto-brasileiros. Destes núcleos saíram os principais ativistas e simpatizantes do nazifascismo no Brasil, distintos por seus interesses e proximidades com o poder instituído. Mesmo antes de 1930, o Estado apelou para um conjunto de leis de exceção que, na sua essência, prepararam o país para receber as propostas revolucionárias do fascismo italiano e do nazismo alemão como “novidades da modernidade”. Jornais italianos e alemães produzidos por imigrantes no Brasil, cuidaram de reportar, com certa admiração, as conquistas de Mussolini a partir de 1922 e de Hitler a partir de 1933.
Durante o primeiro governo Vargas, os partidos de extrema-direita conquistaram importantes segmentos da população. As autoridades políticas, por sua vez, vislumbravam o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, assim como seus líderes, enquanto fontes de inspiração para o modelo de Nação que pretendiam construir no Brasil. Os primeiros núcleos nazistas surgiram em 1929 e, após 1933, foram integrados à Auslandsorganisation der NSDAP (Organização do Partido Nacional-Socialista para o Exterior – AO), direcionada para os alemães radicados fora da Alemanha. A partir de 1934, com a transferência de Hans Henning von Cossel, chefe nacional do NSDAP, do Rio de Janeiro (DF) para São Paulo, o governo alemão organizou um sistema de infiltração e de propaganda junto aos alemães radicados no estrangeiro. Em 1937, Ernst Wilhelm Bohle, responsável pela AO, assumiu também funções diplomáticas junto à Embaixada Alemã no Brasil, permitindo que o Partido Nazista cumprisse ostensivamente com a missão de “proteger” os alemães do exterior. Várias destas instituições foram criadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba, onde os nacional-socialistas faziam propaganda e conseguiam novos adeptos. Segundo a historiadora Priscila Perazzo (2009), o Estado de São Paulo sediou “a maior concentração de partidários e simpatizantes do nazismo, chegando a 785 filiados ao NSDAP, sendo que 366 estavam localizados na capital”.
Através dos prontuários do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo, o DEOPS, fica evidente que as autoridades policiais brasileiras favoreciam as ações dos partidários do nacional-socialismo. Até 1942, o governo Vargas não ocultou suas simpatias pelos líderes e paradigmas nazifascistas, mantendo vários germanófilos e antissemitas no alto escalão do Estado Novo. Mascaradas de “neutralidade”, estas simpatias incentivavam os adeptos do nacional-socialismo no Brasil a ostentarem a suástica como símbolo de sua identidade política, além de preservarem elementos identificadores da cultura alemã e do sentimento de pangermanidade (cf. Magalhães, 1998). As escolas alemãs, por sua vez, se transformaram em espaços privilegiados para a difusão da língua e da cultura germânicas, reforçadas por hinos e poemas nazistas. O Banco Allemão Transatlantico tornou-se um local de circulação dos adeptos do ideário nazista, e o jornal Deutscher Morgen (Aurora Alemã) funcionou como um dos principais veículos da propaganda de Hitler no seio da comunidade alemã (cf. Kossoy/Carneiro, 2004).
A partir de 1935, Getúlio Vargas procurou burlar a vigilância ideológica norteamericana, mantendo como secretas cerca de 20 circulares que impediam os judeus perseguidos pelo Terceiro Reich de receberem vistos de entrada no Brasil. Buscava-se um modelo ideal de homem brasileiro e, diante deste impasse, as autoridades estatais e diplomáticas enfrentavam dificuldades em lidar com as diferenças étnicas e ideológicas. O governo Vargas dedicouse à elaboração de um projeto educacional e de uma política imigratória em “prol do abrasileiramento da República”, fundados na intolerância, na xenofobia e no nacionalismo exacerbado, componentes característicos dos fascismos europeus. Decretou o fechamento de escolas, proibiu o ensino em língua estrangeira e os jornais tiveram que circular em português. Instituições e associações alemãs foram colocadas sobre vigilância sistemática, como, por exemplo, o Internato Alemão a Associação Escola Alemã da Mooca-Bráz, o Colégio Visconde de Porto Seguro, a Associação Alemã da Cultura Aymoré, dentre outras.
Com as campanhas de nacionalização foi lançada uma verdadeira guerra contra a colonização estrangeira apresentada como incontrolável e perigosa. Alemães, poloneses, japoneses e italianos radicados na região sul do país foram perseguidos por não expressarem o espírito de brasilidade. Mas, nem por isso, os nazistas foram radicalmente perseguidos como “inimigos do regime”, após 1942. No entanto, os judeus – em grande parte alemães, poloneses, austríacos e italianos – ficaram sob vigilância sistemática por se enquadrarem, segundo a lógica policial, na categoria de antifascistas e de cidadãos do Eixo, ainda que opostos conceitualmente (cf. Wiazovski, 2001 e 2008). Para os nazistas atuantes no Brasil a perseguição foi datada: de 1942 a 1945. O vocabulário dos investigadores do Serviço Secreto foi enriquecido por expressões e nomes estrangeiros que, por si só, já se prestavam para rotular o inimigo objetivo: alemães nazistas e italianos fascistas. O jornal Deutscher Morgen, publicado desde 16 de março de 1932, teve sua circulação interrompida em 1941, e, no ano seguinte, em 29 de janeiro de 1942, foi proibido de circular devido ao rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha. A mesma empresa publicava também o almanaque Volk und Heimat, igualmente difundido na comunidade germânica, sendo um veículo disseminador de ideias antissemitas, antibolchevistas e pró-hitleristas. O olhar vigilante, no entanto, voltou-se principalmente para os alemães acusados de integrarem uma rede de espionagem sustentada pela Abwehr, o serviço secreto do Alto Comando alemão (cf. Perazzo, 1999). Uniram-se nesta luta o FBI, a Interpol, o Itamaraty, as delegacias regionais espalhadas por todo Brasil e os cidadãos comuns. Delatar um alemão por “suspeita de nazismo” tornou-se prática corriqueira nas centrais do DEOPS/SP, ainda que aquele cidadão fosse um refugiado judeu apátrida (sic), demonstrando o despreparo e a irresponsabilidade das autoridades policiais (cf. Barbosa, 2011). Enfim, persistiu entre 1942 e 1945 uma política de constantes estranhamentos, de falsas posturas e de múltiplas máscaras que, ainda hoje, servem aos mitos políticos e favorecem versões dúbias sobre a proximidade do governo Vargas com o Terceiro Reich. Cabe aos pesquisadores, sob o viés da interdisciplinaridade, investigar os vestígios contidos nas micro-histórias de cada personagem, (re)escrevendo assim a história contemporânea do Brasil e da Alemanha.